CapítulO 1
BanhadO
pela Lua
Acordar todo dia se imaginando o porquê de sua vida
ser como é ou como poderia ter sido é digno de pena. Ficar se remoendo a cada
instante sobre o passado, é triste. Para Wallace Wender
que vive uma vida infeliz desde que se entende por gente, chega a ser ate
compreensivo.
Wallace cresceu em uma casa perturbada. Viveu sua
infância assistindo seu pai, Joe Wender chegando em casa todas as noites bêbado e bater em sua mãe, Vanda Wender. Quando Wallace tinha quatro anos, sua mãe estava
grávida de uma menina já com seus sete meses.
Naquela noite, seu pai chegou mais uma vez bêbado e
culpando Vanda, Wallace e o bebê que nem tinha nascido ainda de tudo. Ele que
deveria ter tido uma grandiosa futura carreira de jogador de futebol americano,
teve que se casar e trabalhar como mecânico para cuidar de um filho que nem
desejava ter, e agora mais um estava vindo ao mundo.
Foi naquela noite em que Wallace, mesmo tendo apenas
quatro anos, ele viu sua vida desmoronar de um penhasco repleto de tristeza e
agonia. Joe, bêbado e alterado, pegou a arma que ele tinha guardada na garagem
e tentou matar Vanda depois de espancá-la cruelmente com força ate faze-la
sangrar. Vanda pegou um vasou e o acertou, a arma foi derrubada e Wallace
assistiu tudo encolhido no canto da sala. Sua mãe se arrastou pela sala em
direção a Wallace deixando um rastro de sangue e pegou a arma. Joe pulou em
direção a ela com uma faca e ela atirou na testa dele o matando na hora e
explodindo a cabeça dele sobre Vanda e Wallace; que assistiu tudo em choque.
Ele viu sua mãe desmaiar logo em seguida e o mesmo estava
acontecendo com ele, segundos antes de atingir o solo e dormir por um tempo,
ele viu os pés de alguém caminhando e parando ao lado de sua mãe. Antes de seus
olhos se fecharem, ele viu algo viscos e vermelho cair sobre a boca de sua mãe.
Vanda perdeu o bebê naquele dia. Wallace chorou, mas
não pela morte de seu pai e sim pela morte de sua irmã que nem havia nascido
ainda.
Depois daquilo, Wallace cresceu ate os oito anos
assistindo sua mãe se tornar uma drogada e viu sua casa tendo um homem
diferente todos os dias.
Foi com oito anos que Wallace teve a certeza
absoluta de que já perdera os dois pais. O homem da vez com que Vanda estava era
um traficante procurado pela policia, e a policia o encontrou na casa junto de
Vanda. Wallace estava em seu quarto quando ouviu a porta da sala sendo
arrombada, ouviu gritarem “POLÍCIA” e
logo em seguida os disparos. Ate que tudo se ficou em silêncio.
Ele desceu a escada e lá viu o lugar cheio de
policiais e o corpo do traficante cheio de tiros ao lado de sua mãe também
morta. Wallace não chorou pela morte de sua mãe, ele apenas entrou em um estado
de choque.
Depois disso, Wallace viveu em lares adotivos, mas
sempre retornava para o sistema, ate que completou 18 anos e foi morar nas
ruas, tendo a Ponte do Brooklyn como o seu teto algumas vezes, outras em becos
ao lado do lixo.
Wallace se tornou alguém fechado, não confiando em
ninguém além de si mesmo.
Dezoito anos, essa é a idade do nosso protagonista
desafortunado. Passaram-se três meses desde o seu aniversário, Wallace se
encontra em frente a uma padaria no subúrbio do Brooklyn observando os frangos
assarem maquina atrás da vidraça e ao seu lado, um cachorro faz o mesmo.
Estamos em novembro, fim do outono e início do inverno, a cidade tinha um tom
mais cinza e melancólico. O sol já estava se pondo.
O reflexo na vidraça refletia um jovem magricela de
cabelos pretos e rebeldes, olhos azuis e um rosto sem motivos para ser feliz.
Se Wallace tivesse tido uma vida normal, com pais normais e uma alimentação
decente, além de estar indo para a faculdade, também estaria fazendo sucesso
com as garotas, mas ao invés disso, Wallace estava assistindo uma maquina assar
frango, usando um cachecol sujo e rasgado, uma jaqueta no mesmo estado, assim
como a calça e os tênis, e uma cicatriz feita por uma faca de cozinha
enfeitando o lado esquerdo de seu rosto que fora causada pelo ultimo pai
adotivo que Wallace teve o desprazer de conhecer, dois anos atrás.
Na televisão dentro da padaria, Wallace viu a
reportagem sobre mais um assassinato onde as vitimas eram encontradas sem
sangue no corpo. Algumas outras eram encontradas mortas e rasgadas e com as
entranhas para fora, obra de algum animal; era considerado que algum lobo fez
aquilo, mas logo isso era ignorado, já que não existem lobos em Nova Iorque, a
não ser que algum tenha escapado de algum zoológico. Essas mortes bizarras faz
parte do mundo já faz anos, por isso alguns cogitam a ideia de que foram
vampiros e lobisomens. É claro, se isso existisse, Wallace concordaria com
esses lunáticos.
Com uma mochila velha sobre o ombro, Wallace se
forçou a seguir seu caminho, pois aquele cheiro saboroso estava acabando com
ele.
Ao andar próximo a um estacionamento com
pouquíssimos carros, ele ouviu vozes alteradas.
- SOCORRO! – alguém gritou.
Wallace na mesma hora se jogou contra a parede para
não ser visto. Ele se esgueirou para dentro do estacionamento e se escondeu
atrás de um carro.
Assistiu
quatro homens com cara de mau e armados, três brancos e um negro, e outro homem
de joelhos no chão implorando pela vida, ele era branco e usava óculos.
Uma limusine preta estava estacionada perto, e dela
saiu um homem com cara de poucos amigos. Ele usava um
sobretudo bege e luvas pretas na mão. Tinha um cavanhaque e era careca,
sua pele era negra. Ele definitivamente era o chefão.
- Por favor, eu tenho família... – implorou o homem
de óculos praticamente chorando.
- Pensasse nisso antes de me roubar e se dispor a
testemunhar contra mim. – disse o chefão.
- Droga... – murmurou Wallace adivinhando o que iria
acontecer. – Era só que me faltava, ser testemunha de um crime...
O som do tiro o pegou de surpresa o fazendo dar um
pelo pra trás e esbarrar em uma lata de lixo. O som da lata de lixo foi ouvido
no estacionamento inteiro.
Foi descoberto pelos criminosos. Uma bala quase o
acertou. Ele olhou indignado para os criminosos. Viu o corpo morto do homem de
óculos no chão e quem havia matado o homem era o próprio chefão.
- HEY! Cuidado, isso pode machucar alguém... –
exclamou Wallace. Outros tiros foram disparados contra ele.
Wallace correu pra fora do estacionamento.
- ATRÁS DELE! SEM TESTEMUNHAS!
O sol já havia se posto, mas ainda estava claro. A
cada minuto ficava mais frio, mas para Wallace isso não era importante, o
importante era correr por sua vida.
O som da derrapagem do carro dos bandidos logo atrás
dele, o fez correr ainda mais rápido, entrando em becos, pulando cercas e
muros. Apesar de ter vivido uma vida miserável ate o momento, ele não estava
pronto para desistir dela ainda. Por mais que odiasse admitir, havia um pingo
de esperança dentro dele de que sua vida iria melhorar. Era preciso.
Mas hoje, especialmente hoje, isso parecia estar
longe de acontecer. A dor o pegou de surpresa, assim como o impacto, o tiro que
ele levou no ombro direito foi rápido e extremamente doloroso no primeiro
instante, mas com a adrenalina percorrendo todo o seu corpo, isso se tornou
irrelevante. Sua maior preocupação era sobreviver. Ele precisava ter uma chance
de desfrutar da felicidade, ele merecia.
Correu pelo enorme porto. A fadiga estava começando
a fazer efeito.
Deu a volta na enorme fábrica de químicos. Os
criminosos agora o perseguiam a pé. Wallace encontrou uma abertura na cerca.
Parou e olhou para trás. Eles estavam a vinte passos de distancia dele.
Ele entrou pelo buraco na cerca e continuou a correr
pela grama. Já estava noite. Nuvens cobriam o céu, mas era visível que a lua
cheia iluminava tudo acima delas.
Mais uma vez ele foi pego de surpresa. Berrou de
dor. Agora ele arrastava a perna esquerda que acabara de ser atingida por um
tiro.
Ele diminuiu a velocidade ao ver que havia um
barranco logo à frente. Seus pés ficaram na beirada daquele buraco. Antes mesmo
de se virar, lagrimas caíram de seus olhos ao ser atingido por outro tiro nas
costas.
Seu corpo foi impulsionado pelo impacto buraco
adentro. Era um tipo de aterro químico da fábrica.
Ele rolou violentamente ladeira abaixo, sentindo
tudo. A dor era terrível, mas também era de certa forma reconfortante. Ele só
podia ter enlouquecido. Ele quis rir, mas seus músculos pareciam travados.
Caído de costas para o chão, seus olhos podendo ver somente o céu nublado. Pelo
menos, ele gostaria de ver a lua uma ultima vez antes de ele ir dessa pra uma
melhor, pois pior não poderia ficar.
O som dos criminosos se aproximando foi ficando mais
alto, ate que ele tinha certeza de que eles estavam à beira do buraco o
observando. Esse era o fim.
O som de três disparos consecutivos preencheu o
silencio daquela noite. Peito esquerdo, abdômen e cabeça. Esses foram os locais
atingidos.
Tudo começou a ficar embaçado. Cada vez menos ele
podia ouvir e ver, mas ele sabia que os criminosos estavam indo embora.
Seus olhos se focaram no céu.
- Por favor...
– ele conseguiu murmurar. – Por favor... uma ultima vez...
Como se ele fosse ouvido, as nuvens foram se movendo
lentamente. O som de passos cada vez mais próximos foi ignorado. Ele queria ver
a lua uma ultima vez. De alguma certa forma, o brilho prateado da lua cheia
combinava com ela.
Foi em uma noite de lua cheia que ele soube que
teria uma irmã. Foi em uma noite de lua cheia em que ele se sentiu feliz. A lua
o fazia se lembrar dela, de estar próximo a ela, mesmo nunca tendo a chance de
conhecê-la. Lunniele, esse era o seu nome. Ele
conseguiu forçar um sorriso com o nome de sua irmã morta.
A lua cheia brilhava no céu escuro, o banhando com
seus raios lunares.
Foi somente quando a cabeça de alguém ficou entre
ele e a lua que Wallace se lembrou de que tinha alguém ali.
A pessoa estendeu a mão acima dele, segundos depois
ele sentiu algo tocar seus lábios. Era liquido. Tinha o gosto de ferro. Ele
soube na hora o que era. Era sangue.
Ele não conseguia ver o rosto da pessoa, mas podia
ver o brilho de seus olhos. Era algo incomum, ou melhor, surreal. Era um brilho
castanho, meio dourado. Somente isso foi o necessário para passar pela cabeça
de Wallace algo como anjo.
Ele deu uma risada contida.
- Anjo, eu? Acho que não... – a voz era de um homem,
ou melhor, de um jovem. – Estou mais pra um... demônio...
Estou ansioso para o nosso reencontro, Wallace Wender...
Sua visão ficou totalmente embaçada, mas conseguiu
ver o homem desaparecer em vulto.
Sentiu seu corpo formigar. Era como uma corrente
elétrica passando por ele. O som de metal foi ouvido e logo depois o som de
água.
Seus sentidos estavam começando a falhar, mas o
cheiro do liquido que o atingiu denunciou que aquilo não era água. A fábrica
estava se livrando de seu lixo bioquímico.
O liquido entrou por sua boca, ardeu em seus
ferimentos à bala, e ele teve a sensação de que quando aquilo se misturou ao
sangue que aquele homem misterioso pingou em sua boca, foi como se houvesse uma
explosão em que ambos se repeliram, mas aos poucos foram aceitando um ao outro
e se fundiram.
Seu corpo começou a queimar e ele começou a ter
convulsões. De sua boca, nenhum único som saiu, mas ele queria gritar, berrar
com todas as suas forças, pois a sensação era de que ele fosse jogado em um
tanque com água fervendo e ao mesmo tempo fosse eletrocutado e atingido por um
caminhão.
Os sons de seus ossos se partindo só contribuíram
para ele se desesperar ainda mais. Alguém fizesse isso parar. Alguém o matasse,
terminasse com o seu sofrimento.
Como se fosse ouvido, com todos os ossos do corpo
quebrados e sangue borbulhando, ele parou de ter convulsões. Tudo começou a
ficar escuro e o som de seu coração foi diminuindo.
Finalmente ele poderia dormir para sempre.

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